quinta-feira, 8 de maio de 2014

O Tradutor é um Leva-e-traz



Desde os tempos mais remotos é possível encontrar relatos de traduções, tradutores e intérpretes. Há relatos de intérpretes no Egito, China, Babilônia, Grécia, índia...
Foram encontradas traduções do texto mais antigo de que se tem notícia, a Epopeia de Gilgamesh, com porções traduzidas para outras línguas asiáticas.
Você já pensou na importância dos tradutores e intérpretes? Já pensou como seria o mundo sem eles?
Sem os tradutores não conheceríamos a história, sem eles não saberíamos o significado da Pedra da Roseta, não conheceríamos os mistérios das escritas antigas dos sumérios, babilônios e egípcios, não nos deliciaríamos com os textos clássicos dos filósofos, (que, aliás, foram bem preservados pelos tradutores árabes), não teríamos acesso aos textos de Confúcio e aos escritos sapiências do oriente.
Graças ao padre Anchieta, dedicado tradutor, os brasileiros podemos conhecer mais sobre os nossos índios e suas línguas e cultura (talvez seja esse o seu maior milagre).
Grandes teólogos, como São Jerônimo - tradutor da Bíblia para o latim e patrono das secretárias e tradutores - e o próprio Martinho Lutero, foram antes de tudo, exímios tradutores.
Sem os tradutores não teríamos a Bíblia, não teríamos conhecimento de Buda, não saberíamos o que ensinou Maomé no Al Corão. Sem eles não teríamos sequer tomado conhecimento de Sócrates, Platão e Aristóteles.
Você já começou a imaginar como seria o mundo sem eles? Certamente seria um mundo muito mais obscuro.
A palavra tradução vem do latim, trans (de onde derivam também as palavras transportar, transferir) e do verbo fere (conduzir, levar). Traduzir, então, significa “conduzir para o lado de lá, trazer para o lado de cá”.
Alguns estudiosos acreditam que a palavra em inglês para balsa (ferry-boat) provém desse verbo latino, outros, no entanto, fornecem outras origens. De qualquer maneira, a analogia com uma balsa é perfeita para ilustrar o ofício do tradutor: o que transporta, transfere, conduz de um lado para outro, o que leva e traz, no sentido mais puro da expressão.
Algumas traduções foram tão importantes que são citadas e utilizadas até hoje, como por exemplo, a versão da Bíblia hebraica, conhecida como Septuaginta, traduzida para o grego por 72 eminentes rabinos tradutores judeus e utilizada ainda no tempo de Cristo pelo próprio apóstolo Paulo que, Justiça seja feita, mesmo que por inferência, deve ter sido ele mesmo um notável tradutor.
 O famoso discurso desse importante expoente do cristianismo perante as autoridades judaicas, proferido em hebraico, evidencia o fato de que ter dispensado um intérprete o qualifica como um deles. Seus interlocutores ficaram impressionados não apenas com seu discurso propriamente, nem com sua oratória, uma vez que ele mal havia começado a falar, mas com a o domínio que ele tinha  de vários idiomas:

“... quando ouviram falar-lhes em língua hebraica, maior silêncio guardaram”.[1]

Numa outra oportunidade, sua habilidade com os idiomas fez com que o próprio governador romano, Festo, em alta voz dissesse:

“...as muitas letras te fazem delirar”.[2]

O grande apóstolo chegou a explicar, em uma de suas cartas, sobre a necessidade de interpretação para que houvesse ordem nos serviços religiosos[3], alertando sobre o caos e a desordem que poderiam sobrevir a uma comunidade humana se as pessoas não pudessem se entender.
O caos gerado pela falta de comunicação é bem ilustrado por outra narrativa bíblica sobre a confusão das línguas no episódio da construção da Torre de Babel.
A tradução do Rei Tiago (conhecida no mundo de fala inglesa como King James Version e utilizada até hoje), é outro exemplo famoso de tradução.
Na área da interpretação, o Julgamento dos nazistas em Nuremberg é exemplo da importância do intérprete nos episódios mais cruciais da comunicação humana. Nesse tão importante episódio da história os intérpretes tiveram de se organizar e criar normas e protocolos de interpretação simultânea que são seguidos até hoje, sobretudo em esferas internacionais da mais alta importância como a própria ONU.
Sem o trabalho árduo desses intérpretes simultâneos,  não diria que o julgamento de Nuremberg teria se arrastado por séculos, diria que ele simplesmente não poderia ter ocorrido.
A tradução da Pedra da Roseta fez com que Champollion pudesse decifrar os hieróglifos e estabelecer as bases para a tradução dos textos egípcios.
Se a importância do tradutor, no que tange a textos antigos, é um dos legados mais importantes para a humanidade, hoje em dia seu valor em nada decai. Com a revolução das comunicações, num momento em que a cada quinze minutos uma profusão de textos, comparada em volume a toda a literatura armazenada na Biblioteca do Congresso americano, é produzida, a necessidade de tradutores e intérpretes nunca foi tão premente.
O tradutor e o intérprete estão por trás dos eventos mais importantes do dia-a-dia, traduzindo a notícia que você leu hoje, o manual do seu forno de micro-ondas, do seu smart phone, do software que você utiliza para trabalhar, dos seus livros e filmes prediletos...
O tradutor e o intérprete atuam em diversos campos, desde tribunais e delegacias de polícia a hospitais, desde traduções jurídicas até ao manual de equipamentos e maquinários.
Antes mesmo de ter lido a famosa definição de Terêncio, de que a tradução era uma arte, eu já me havia convencido disso. A enciclopédia on-line, Wikipédia[4], em sua versão inglesa, define o papel do tradutor, como

“alguém que transporta valores entre culturas”

e acrescenta que

 “se a tradução for uma arte, é uma arte difícil”.

Por ser uma arte, comparada com a arte de um ator, pintor, um tradutor não precisa ter passado por uma faculdade para exercê-la, assim como é o caso de um cantor, músico  ou escritor, mas eu devo concordar firmemente que estudar é o caminho mais curto para burilar o talento do tradutor e suas habilidades.
 Sem instrução o tradutor é como uma pedra a ser lapidada. Com o tempo ele pode amadurecer e tornar-se um excelente profissional (com o tempo). Mas se ele tiver a oportunidade de aprimorar seus estudos, é evidente que, convivendo com outras pessoas com o mesmo dom, suas habilidades serão refinadas de maneira muito mais célere.
Lamentavelmente, o árduo trabalho do tradutor e do intérprete não é muito bem reconhecido. Por ignorância ou falta de conhecimento, quem sabe no afã de mostrar serviço, em muitas empresas, uma das primeiras decisões de um gestor inexperiente, desejoso de mostrar serviço, é cortar papel de impressora, cafezinho, feriados, aulas de inglês e traduções.
Com todo respeito às pessoas que se esforçaram para aprender outro idioma e, reconhecendo que um profissional deve dominar outra língua, como o inglês, por exemplo,  para comunicar-se com seus colegas estrangeiros, isso de maneira alguma o qualifica para ser um tradutor ou intérprete.
Num nível mais preciso de comunicação, o tradutor e o intérprete são importantes para expor minúcias de negócios, precisão de entendimento, questões intrincadas, as quais somente um profissional bem treinado pode detectar.
Quando uma empresa dispensa os serviços de um tradutor porque “o fulano tem um bom inglês e pode traduzir”, além de estar demonstrando um profundo desrespeito com o próprio funcionário, desviando-o de sua função,  também está demonstrando uma gritante falta de consideração  com profissionais da área de tradução. Desconsiderar os serviços profissionais de um tradutor e intérprete é o exemplo mais clássico de economia de palitos e, com o tempo, uma empresa que se der ao luxo de dispensar esse tipo de trabalho acabará pagando um preço ainda maior.
Parafraseando as palavras de Ignacy Krazisky:

(...tradução …é, de fato, uma arte tanto estimável como difícil.)[5]   Portanto, não é trabalho para qualquer pessoa.

Nossa intenção, neste blog, é de compartilhar experiências, trocar ideias, dar sugestões e mostrar onde aprendemos com erros, além de falar de tradução, poesias e outras estórias.
Finalmente nossa primeira dica: O tradutor não pode ficar desmotivado com os erros, pois são eles uma das maiores fontes de aprendizado nessa profissão.
Como a tradução é uma arte, o tradutor, desde cedo, se sente compelido a exercitá-la.
Se você sente essa compulsão por tradução e deseja se tornar um tradutor, a primeira sugestão é acompanhar outro tradutor mais experiente. Se você deseja ser intérprete, comece a acompanhar estrangeiros e ajudá-los em tarefas mais simples.
Atualmente, com dois grandes eventos esportivos no Brasil: a Copa do Mundo de Futebol e as Olimpíadas, há uma janela de oportunidade ímpar para aqueles que desejam seguir a carreira de tradutor ou intérprete. Talvez esteja aí a oportunidade de colaborar, mesmo que voluntariamente, para que o Brasil receba bem os estrangeiros e realize um evento memorável, além de aproveitar uma oportunidade sem precedentes para começar a treinar.
Aguarde por mais dicas e sinta-se a vontade para deixar suas sugestões, ideias e comentários no nossoblog.

Sejam bem-vindos e sintam-se acolhidos e abraçados (ainda que virtualmente), pois como disse uma das mais brilhantes mentes brasileiras (e também um tradutor):

“O abraço é a necessidade que temos de levar um pouco dos outros conosco, e acima de tudo de deixar um pouco de nós vivos nos braços do outro”
Ruy Barbosa

Gilson Marcon de Souza é Tradutor e Intérprete e autor de dois livros de expressões idiomáticas:

English - Portuguese Expressions: Plus a Soccer Glossary

Portuguese - English Expressions: Plus a Soccer Glossary


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