terça-feira, 9 de dezembro de 2014

João de Barro, Rouxinol e Liberdade


Gilson Marcon de Souza


Nunca ouvi um pássaro
Pronunciar uma palavrinha sequer,
Mas quando começam a cantar
Contam de tudo

(Da Biografia de Fanny Grosby)




Já era o auge da primavera, todavia ninguém se arriscava a  dar palpite algum sobre como seria o dia.
Ora o calor escaldante fustigava quem quer que se atrevesse a passar algum tempo sob o sol abrasador, ora a neblina e a garoa frias poderiam convencer facilmente os menos acostumados com as variações climáticas típicas da estação de que ainda parecia ser inverno.
            Isso não era empecilho algum para que João de Barro continuasse seu labor árduo. Nem o sol tórrido, nem a garoa álgida, nem a chuva torrencial, nem a neblina espessa, nem o vento forte eram obstáculos para demovê-lo de sua labuta constante e aferrada tarefa de terminar o mais rápido possível sua nova moradia que, diga-se de passagem, poderia ser considerada sua obra-prima.
            Não que suas construções anteriores tivessem sido feitas sem nenhuma diligência ou de modo desleixado, mas a experiência o ajudou a trabalhar com mais destreza, cuidado e afinco.
            A câmara que fizera no interior de seu ninho para impedir a corrente de ventos hostis era a maior evidência de seus conhecimentos arquitetônicos, inteligência e habilidade.
            Trabalhador dedicado, incansável, obstinado, não se deixava intimidar pelas dificuldades ou adversidades. Inteligente e brilhante, sabia transformar intempéries em oportunidades e observava cuidadosamente todos os detalhes à  sua frente e sempre conseguia arranjar alguma solução prática para algum problema inesperado.
            O calor intenso foi suficiente para agrupar no céu, há instantes límpido e claro, espessas nuvens negras, que não tardaram a despejar, naquela tarde, uma torrente de água como há muito não se via.
            Terminado todo aquele aguaceiro, aos poucos os ventos fortes foram minguando, até se converterem numa suave e revigorante brisa de fim de tarde.
            João não podia perder um segundo sequer: sacolejou as asas, recobertas de penas marrom-avermelhadas, estufou bem o peito amarronzado e encrespou as sobrancelhas de suaves contornos. Seus olhos atentos e fixos vasculharam o terreno ao redor e, depois de alçar um voo preciso, elevou-se ao alto, circundou o perímetro do novo ninho, realizou com perfeição algumas acrobacias e evoluções aéreas e pousou bem ao lado de uma poça de lama espessa,  e logo tratou de colher, com o bico, uma farta bolota de barro que havia amassado com os próprios pés.
            Em seguida, voou de volta para assentar a derradeira porção de barro molhado no topo do ninho. Suspirou e observou tudo, conferindo cada detalhe, supervisionando cada aspecto da sua primorosa moradia com a máxima atenção, mas decidiu que ainda precisava reforçar a estrutura das paredes externas com mais um pouco de palha, o que fez imediatamente e sem perda alguma de tempo.
Apesar de dar por encerrada a construção de mais uma moradia, João se sentia angustiado. Sempre que terminava uma obra como essa, se sentia realizado, feliz e pronto para outra. Mas, desta vez, o término da imponente arquitetura não o fez se sentir particularmente realizado. Ao contrário, sentia-se angustiado. Um vazio ingente tomou posse de seu peito melancólico... Uma tristeza pegajosa, um desalento atroz, um sentimento de consternação, desesperança, desolação, abandono...
            Sentia o peito comprimido e um nó na garganta. Duas tímidas lágrimas despontaram de seus olhos tristes e logo se avolumaram, até se transformarem num choro cálido, embora contido.
            João não era um pássaro arisco, ao contrário, era acessível a todos e nunca era visto muito longe de seu ninho. Porém, já estava assentado em seu coração o desejo de visitar a professora Glaucy a qualquer custo. Talvez ela pudesse ajudá-lo e desanuviar seus pensamentos obscuros.
            Já havia decidido que iria vê-la, mesmo que para isso tivesse de voar uma longa distância e afastar-se muito de seu ninho.
            Foi assim que fez: ponderou tudo, pensou no perigo de voar ao anoitecer, na possibilidade de uma nova tempestade, pois, de novo, o céu escuro prenunciava novas chuvas.
            Ele precisava ir, precisava de direção, de conselho, de luz, de uma visão expandida e de uma consciência arejada.
            No fundo, João tinha certo medo da professora Glaucy. Ele não a conhecia pessoalmente, mas as informações que tinha sobre ela eram contraditórias. Alguns a consideravam muito sábia e justa  alguém que conseguia enxergar as coisas de uma perspectiva ampla e abrangente; outros, que ela tinha o dom da clarividência e conseguia revelar segredos e conhecimentos ocultos. Outros, ainda, que ela não passava de uma buena-dicha charlatã e uma verdadeira predadora. Mas todos eram unânimes ao considerá-la extremamente sinistra e misteriosa.
            Isso não importava mais. Já estava resolvido. João decidiu ir de qualquer maneira, custasse o que custasse. Ele não podia mais viver com aquela angústia e precisava esclarecer tudo.
            Já se sentia preparado. Olhou para a amplidão do firmamento e avaliou meticulosamente como deveria traçar sua rota de voo. Ele nunca havia voado para um local tão distante. Calculou que logo iria escurecer. Nunca havia empreendido um voo ao cair da noite, por isso decidiu ser o mais cuidadoso e meticuloso possível.
João sempre era muito metódico em tudo o que fazia. Era parte de sua rotina avaliar, ponderar, calcular, antecipar resultados. Antes de começar a voar, traçou uma rota mental de como deveria ser seu arriscado voo. Pensou que seria melhor voar por etapas, pousando em certos locais específicos para descansar e reavaliar as condições de voo e então avançar um pouco mais.
Seu mapa mental incluía um poste próximo, depois uma árvore antiga e encorpada, o velho eucalipto seco, a majestosa paineira, a airosa quaresmeira, e, finalmente, o topo da montanha mais alta. Depois disso, ele empenharia um voo rasante e voaria direto para o sótão de um casebre abandonado.
            Ele sabia que a última etapa do trajeto seria a mais difícil, pois, para além da montanha, não haveria mais luzes. O lado oposto do morro estava mergulhado na mais negra treva e, nesse ponto, ele sabia que deveria confiar totalmente em seu mapa mental. Voaria quase que a esmo, às cegas, e não poderia se desviar um centímetro sequer da reta mental que havia imaginado.
            Foi assim que fez. Tudo correra exatamente como ele havia planejado: cada escala, cada ponto predeterminado...
Embora tivesse calculado todos os detalhes possíveis e antecipado cada parada estratégica, errou um pouco sobre  o horário do pôr do sol. João havia calculado esse detalhe com precisão, mas não teve condições de saber que, devido à formação de uma nova tempestade, as nuvens espessas encobririam os fracos raios solares antes da hora, lançando a encosta do outro lado da montanha em densas trevas antes do previsto.
Nesse ponto ele teve de se apressar um pouco mais. Sentiu medo nessa hora, mas fechou um pouco os olhos, respirou fundo e se lançou numa imersão ousada e corajosa. Penetrou as densas trevas na maior velocidade que pôde empregar   um mergulho num oceano de trevas espessas que ele deveria singrar até chegar ao alvo almejado .
Ele podia sentir o zumbir do vento em seus ouvidos, e as gotas de chuva pareciam pequenos detritos lançados contra seu rosto. O único momento em que abriu os olhos foi quando se assustou com o clarão e o estampido de um impetuoso raio. Seu corpo parecia ter perdido a estabilidade, tanto pelo susto por causa do  estrondo do raio, como pela força do vento adverso. De qualquer maneira, esse incidente o salvou, pois, ao abrir os olhos, os clarões dos relâmpagos foram suficientes para alumiar toda a encosta da montanha e o fundo do vale. Não foi difícil vislumbrar o sótão e, assim, corrigir sua rota oblíqua.
Finalmente, conseguiu pousar apenas a alguns metros da entrada de seu destino.
João sacudiu as asas molhadas e respirou fundo. Seu coração ainda batia de modo acelerado. Saltitou um pouco e não quis perder tempo; queria logo entrar naquele sótão que, embora sombrio, era o único refúgio seguro da chuva forte.
Depois de forçar a entrada com o bico, deu alguns passos reticentes. A escuridão interna parecia ser ainda mais densa do que as trevas exteriores. Um ar pesado e sufocante o envolvia. Os lampejos dos relâmpagos, vez por outra, permitiam que ele pudesse ver, por frações de segundos, que se tratava de um local empoeirado, com tijolos à vista mal assentados, e uma camada espessa de poeira sobre o assoalho.
Não sabia se sua mente apavorada havia lhe pregado alguma peça, mas podia jurar que havia visto uma cruz invertida pendurada em uma das paredes. Não deixou se levar por um julgamento tão rápido e decidiu conferir melhor quando o clarão do próximo relâmpago lançasse um pouco mais de luz naquele canto. Talvez sua mente tivesse lhe enganado de alguma maneira, mas não deixou de ficar atento  à espera do próximo clarão. Talvez fosse parte da estrutura do telhado, cuja sombra oblonga o fizesse imaginar uma cruz invertida.
O medo havia tomado conta de todo seu ser. Sentia mais medo ali naquele local do que quando estava voando. Encolheu-se num canto. “Onde estaria a professora Glaucy?” imaginou.
De repente,  João ouviu atrás de si o que parecia ser um grito   um urro apavorante  . Parecia o clamor de uma mulher sendo esfaqueada: um brado de terror, um berro de desespero e de dor intensa. João estava apavorado e pensou em sair dali. Virou seu rosto para trás, para ver de onde partia aquele grunhido de aflição. Nesse instante, teve a visão mais aterradora de que se lembra em toda sua vida  no canto oposto pôde ver a cena mais assombrosa:  o vulto de um ser muito maior do que ele, cujas enormes asas abertas empurravam contra seu rosto o fluxo daquele ar espesso e poeirento  .
João esforçou-se para observar melhor, e seu coração quase parou de bater quando viu uma coruja de meia idade girar a cabeça para trás sem mover sequer um milímetro de seu corpo. Parecia que estava assistindo a uma cena clássica de filme de terror.
“Como era possível alguém girar a cabeça para trás totalmente sem mexer o corpo?” imaginou.
João afastou-se e tropeçou num pedaço de madeira solto no chão. Um relâmpago mais demorado jorrou luz no rosto de uma coruja rajada, e João pôde ver sua própria imagem projetada naqueles enormes olhos amarelados. João podia ver a si mesmo no reflexo dos olhos da professora Glaucy e assustou-se mais ainda com a imagem de si mesmo se mexendo no fundo de seus olhos.
“Então você veio,” afirmou a coruja com a voz mais baixa. “Queira me desculpar, mas eu o assustei. Eu sabia que você viria e já o estava esperando.”
A professora Glaucy tratou de ser mais acolhedora e convidou João de Barro para um local mais claro.
“Desculpe João, a claridade intensa ofusca um pouco minha visão, mas vamos nos acomodar num  local mais claro para podermos conversar.”
A professora Glaucy era uma coruja robusta, com penas castanhas, bico afilado e imensos olhos cintilantes. De uma hora para outra, era capaz de mudar sua fisionomia, de um rosto fechado e carrancudo  para a face mais suave e dócil que alguém pode imaginar. Às vezes,  sua expressão era de meter medo a qualquer mortal, mas quando desfazia seu cenho severo era capaz  de desvelar uma fisionomia afável e amigável, capaz de conquistar a mais ressabiada criança com a maior demonstração de carinho, amizade e empatia. Ela parecia sentir o que as pessoas sentiam
Foi com esse olhar de ternura e compaixão que recebeu João de Barro, o que fez com que, apesar do susto inicial, ele logo se acalmasse e se sentisse mais acolhido e seguro.
“Como a senhora sabia quem eu sou e  que eu viria?” perguntou João, com ar de curiosidade.
“Bem,” respondeu a coruja, balançando o corpo de um lado para o outro, “primeiro vamos dispensar as formalidades.”
A professora Glaucy  dava aulas de análise de  discursos num curso de letras, além de ser  formada em filosofia e pedagogia. Porém, ela gostava de analisar o discurso do modo como as pessoas falam no dia a dia. Não era muito de falar; gostava mais de observar e ouvir o tempo todo. Ela achava que a melhor maneira de fazer as pessoas descobrirem as coisas ainda era como o velho Sócrates ensinara, ou seja:  deixar que elas mesmas dessem à luz suas ideias e conclusões. Com esse método, ela fazia com que  as pessoas trouxessem à tona coisas escondidas no fundo da mente. Por isso as pessoas achavam que ela tinha parte com o oculto. Nada mais errado. Ela simplesmente ajudava as pessoas a enxergarem melhor o mundo e a si mesmas, e fazia isso com pouca intervenção, por meio de uma pergunta ou outra, mas sempre gostava de contar alguma estória no final da conversa.
“Não precisa me chamar de senhora e também não se preocupe em falar corretamente, mas eu sei que viria porque seu amigo Luc me disse que talvez você viesse conversar comigo.”
João se sentiu mais à vontade por ser dispensado de se esmerar para falar corretamente, mas não deixou de mostrar um visível olhar de tristeza e desapontamento quando ela mencionou o nome do amigo. João tentou disfarçar e cobriu o rosto com uma das asas, enquanto abaixava um pouco a cabeça para tentar esconder os olhos vermelhos e uma lágrima perdida.
“É verdade,” respondeu com o olhar distante, “o Luc sempre falava bem da senhora, quer dizer, de você”, corrigiu, já se sentindo mais à vontade.
“Então fique à vontade,” insistiu a coruja, com um tom de voz suave e carinhoso.  “Não quer recostar um pouco?”  completou, apontando para um local mais arejado e perto de uma janela que permitia um pouco  a entrada do clarão da lua, já que a tempestade havia terminado tão repentinamente como havia começado.
“Mas o que o traz aqui?”, indagou enquanto inclinava a cabeça para o lado e abria ainda mais seus enormes olhos.
“Sabe, Glaucy,”gaguejou um pouco, “é por causa do Luc que estou aqui, ele me deixou muito desapontado e triste. Nunca poderia imaginar que ele fosse tão ingrato e cruel.”
“Mas ele parece ser um pássaro  tão singelo e dócil. Não quer me contar o que aconteceu?”
“Bom, Glaucy, eu teria de contar a história toda, e não sei se você está disposta a ouvir.”
“Nós temos a noite toda, João. Não se preocupe com o tempo, mas você pode resumir um pouco, se quiser.”
“Bom, quer dizer, bem,” corrigiu.
“Pode falar como fala em sua casa, João, não se preocupe e  deixe as formalidades para meus alunos da faculdade.”
“Bom”, continuou, “eu conheci o Luc numa casa noturna. Logo que o conheci,  fiquei muito impressionado com sua voz. Quando o vi cantando. Era a voz mais linda que eu já ouvi em toda a minha vida. Eu fiquei hipnotizado com aquela voz e com aquele modo de cantar. Quando me aproximei, vi que era um  rouxinol pequeno. De longe,  não podia saber se era macho ou fêmea, à primeira vista.  Era de uma aparência meio andrógina. As pessoas se confundiam um pouco com isso. Então me aproximei para ouvi-lo melhor. Quando ele cantava, todos ficavam extasiados. O Luc podia cantar por mais de duas horas sem repetir a mesma sequência. Era um pássaro de penas castanhas,  meio avermelhadas. Cantava num timbre alto, mas doce. Ele conseguia produzir uma enorme variedade de trinados e gorjeios num crescendo que levava todos a um verdadeiro êxtase. Mas, as vezes, seu canto parecia um lamento triste, principalmente quando ele cantava bluegrass.
“Eu já tive  a oportunidade de ouvi-lo cantar,” lembrou-se a professora Glaucy, “mas eu me lembro de tê-lo visto cantar no parque. E você tem razão, ele gostava de cantar para os casais de namorados e ficava mais feliz quando  via as pessoas felizes do que quando alguém lhe dava alguma contribuição”, arrematou. “Nós conversamos por algumas vezes e eu pude perceber que ele era um pássaro gentil, sincero e delicado, embora um pouco tímido.”
“Isso é verdade, Glaucy.”
“Mas, continue sua história,” insistiu, prestando atenção em cada palavra e gesto de João.
“Nós nos tornamos bons amigos. O  Luc estava muito decepcionado e deprimido nesse período.”
“E porque ele estava assim?” indagou a professora Glaucy, mais interessada ainda.
“Então, Glaucy, ele estava triste porque se sentia muito preso. Estava muito aborrecido por dois motivos.”
“Que motivos, João?”
“Primeiro, porque antes ele gostava de cantar na igreja,” respondeu.
“Ele cantava no coro da igreja?”
“Não, Glaucy, na torre da paróquia. Mas um dia ele ficou muito chateado porque estava com fome. Então ele entrou no templo e comeu um pedacinho de pão.”
“E o que tem isso demais?” indagou a professora.
“Bom, as pessoas da igreja se sentiram indignadas e o espantaram de lá. Ele se sentiu enxotado. As pessoas da igreja disseram que ele não deveria jamais ter comido o pão da Santa Ceia do Senhor, pois ele era indigno. Somente bons cristãos, de consciência limpa e sem pecado, em comunhão com a igreja,  podiam comer o pão do sacramento.”
A professora Glaucy suspirou fundo, mas não disse nada,  e continuou ouvindo com atenção.
“Foi então que o Luc começou a cantar no parque,” explicou. “Ele ficou chateado porque sentia fome e não podia comer o pão da igreja. Então ele deixou de cantar na igreja não só por causa desse lance de ter comido o pão, mas porque ele queria cantar com as pessoas e não podia. Ele via toda aquela linda celebração, aqueles cânticos lindos, toda aquela gente cantando. Queria participar daquela alegria, daquele júbilo, mas se sentia preterido. Eles diziam que aquilo não era comida de pássaro,  e, portanto, ele não poderia comer. Por isso ele não se sentia incluído. Algumas pessoas tinham dó e lhe davam um pedacinho de pão escondido. E ele retribuía cantando um bluegrass que adorava:

‘Quando as sombras desta vida passarem,
 Eu voarei.
 Como um pássaro livre da prisão,
Eu voarei.

Eu voarei, que glória!
Eu voarei pela manhã.
Quando eu morrer, aleluia,
Num instante, eu voarei.’”

Assim que João encerrou a explicação, ambos abaixaram um pouco a cabeça,  muito pensativos,  e guardaram um silêncio não muito breve.
Depois de um período de tempo em silêncio, a professora Glaucy retomou a  conversa e perguntou:
“E qual o segundo motivo, João?”
João liberou o ar dos pulmões, depois de haver inspirado bastante, como se estivesse dando um suspiro reprimido e prosseguiu:
“Depois disso o Luc foi sondado por  alguns caça-talentos. Nesse período ele cantava no parque  em troca de algumas gratificações. De alguma maneira, perceberam que ele era muito talentoso e o convidaram para cantar nessa casa noturna,” explicou. “Foi nesse período que eu o conheci.”
“Estou entendendo, João,” interveio a professora, com ar de curiosidade, “mas parece que você o ajudou muito nesse tempo.”
“Pelo menos foi minha intenção, Glaucy, o Luc tem dificuldade  de entender certas coisas.”
“Mas por que ele precisava de ajuda, João?”
João pensou um pouco, procurando as palavras certas.
“Sabe, Glaucy, no começo o Luc estava muito entusiasmado, principalmente porque ele gostava de cantar à noite, mas com o tempo ele foi ficando desanimado e deprimido.”
“Por que motivo, João?”
Por que o Luc é meio ingênuo para negócios e acabou assinando um contrato que não era muito favorável para ele. Sabe como é,  não teve paciência de ler aquelas letrinhas. Prometeram a ele mundos e fundos, mas, quando  se deu conta, tinha de fazer de tudo   desde propagandas, promoção dos  shows, marketing, à contabilidade   e ele não se dava bem com essas coisas, porque  queria mesmo era cantar, cantar, cantar... Enfim,  sobrava pouco dinheiro. Então ele se enrolou e deixou de pagar alguns impostos, para poder sobrar alguma quantia para comida e percebeu que estava se sentindo preso. Nós  conversamos, e ele estava muito decepcionado mesmo, pois estava se sentindo um escravo. Sentiu vontade até de voltar a cantar lá no parque em troca de gorjetas, pois se sentia mais realizado e livre lá, além de ganhar mais com  isso do que com o que ele ganhava  na casa noturna.
“Agora eu estou entendendo mais, João, eu e o Luc não conversávamos muito pessoalmente, mas gostamos muito de trocar tweets.
“Então, Glaucy, o Luc estava numa situação difícil,  sem dinheiro para comprar as coisas mais básicas e atolado em dívidas e impostos. A gente se tornou bons amigos,” prosseguiu João, sentindo-se mais à vontade, e parou de se preocupar com a gramática.  “A gente conversou bastante e eu pensei  numa maneira de poder ajudar. Então eu tive algumas ideias e conversei com ele.”
“Que ideias?” perguntou a professora Glaucy, limitando-se a ouvir e intervindo cada vez menos, a não ser por uma pergunta ou outra que julgava pertinente. A  lua havia avançado um pouco mais, para fora do ângulo da pequena abertura, e o ambiente se tornou um pouco mais escuro novamente.  João só conseguia ver a silhueta da atenciosa coruja e o cintilar de seus olhos misteriosos.
“Eu conversei com o Luc e disse que tinha algumas casas. Uma delas estava meio abandonada, e eu estava pensando em vender, pois tive notícias de que  estava sendo ocupada por maus elementos.”
“Que tipos  de maus elementos, João?”
“Ah, tinha de tudo lá: cobras, ratos, aranhas, lagartos... essa gente não trabalha e só quer viver à custa do suor dos outros,” desabafou. Então eu disse pro Luc que eu podia vender essa casa e, com o dinheiro,  poderia ajudá-lo a pagar suas dívidas e rescindir o contrato que o deixava preso. Luc ficou pensativo, imaginando como iria continuar cantando. Então eu disse pra ele ficar de boa e sugeri que  fizesse shows. Ele pensou bastante e gostou da ideia. Disse que estava pensando em mudar de estilo, mas precisava de apoio.”
“Que tipo de apoio, João?”
“Apoio vocal, queria alguém para ajudar com segunda voz ou back voice. Eu disse que não cantava bem, mas poderia tentar ajudar. Perguntei o que ele estava pensando e ele respondeu que queria cantar yodel ou bluegrass. O Luc ficou meio sem jeito com a ajuda e disse que só aceitaria como empréstimo e se pudesse retribuir depois, que não queria nada de graça. Então eu disse que, quando começasse a entrar algum dinheiro, ele me pagaria. Ele achou a proposta razoável. O Luc ficou muito feliz e não sabia como agradecer. Então nós começamos a trocar ideias, fazer planos, e eu sugeri que comprássemos roupas e equipamentos. Também  sugeri que a gente cantasse sertanejo universitário e MPB; yodel e bluegrass eram bem regionais e não eram estilos bem conhecidos. Luc argumentou que sertanejo universitário também era regional, mas eu o lembrei do sucesso mundial do Michel Teló e do Gusttavo Lima.
A professora Glaucy continuou a ouvir atentamente.
“E como foi o empreendimento de vocês?” perguntou, ajeitando-se  ao lado de uma pilha de livros antigos.
“Bom, ele  ficou bem pensativo, mas concordou com a ideia. Nós fizemos ensaios e logo começamos. Claro que eu tive de corrigir certas coisas no Luc e quis tentar pôr ele na linha.
“Corrigir certas coisas?”
“É, Glaucy, eu acho que o Luc é um talento  raro, mas precisava ser lapidado. O Luc tinha certos vícios que precisava de correção,”  disse num tom incisivo e um tanto autoritário.
“Você pode ser mais claro, João, que tipo de coisas você acha que ele precisava mudar?”
Bom, a começar pela postura. Eu disse  que  ele precisava ser, digamos, mais viril, se a gente fosse cantar sertanejo universitário. Disse que pegava mal ficar usando maquiagem e rímel.
A professora Glaucy  não pôde esconder um ar de espanto e ficou pasmada.
“Mas, João, esses recursos são importantes para os artistas. Você não Acha?”
  “Eu sei, Glaucy, mas eu pedi para ele maneirar um pouco. Pedi pra ele só aparar as sobrancelhas e não as delinear muito. Disse que sertanejos tinham de ser viris. O Luc era muito delicado. Uma vez eu pedi pra ele me ajudar a colocar um pouco de barro na casa, e ele fez o maior escândalo porque eu pedi pra ele trazer uma bolota de estrume.
“Então o Luc foi morar com você, não é mesmo?”
“É, Glaucy, ele não tinha como pagar aluguel,  então eu disse que podia ficar lá em casa por algum tempo.”
“Mas a sua esposa, você não é casado?”
João ficou pensativo nessa hora, mas prosseguiu: 
“Eu estou separado, Glaucy.”
A professora Glaucy não quis ser invasiva e ficou em silêncio, mas João se sentiu à  vontade para continuar.
“Eu me separei porque  achei que minha mulher andava arrastando as asinhas pra outros passarinhos. Já tinha gente me chamando de corno manso. Então eu  fui conversar com ela. Ela ficou muito indignada e nós acabamos discutindo. Então, você sabe, no calor da discussão eu acabei dando uma bicada nela. Então ela quis se separar e me denunciou. Eu fui enquadrado na Lei Maria da Pena e preciso manter uma certa distância dela.”
“O Luc me disse que havia um  boato sobre uma casa...” Provocou a professora.
“Ah, esse boato de que eu a tranquei na casa. Isso é pura fofoca, Glaucy. Esse povinho tem veneno na língua. O que acontece é que a casa ficou abandonada. Então umas abelhas   sem-teto, invadiram a casa e fecharam a entrada. Eu estou esperando pela reintegração de posse. Foi isso que aconteceu.
“Agora eu entendi, então por isso o Luc pôde morar com você.”
“É, Glaucy, mas é aí que o bicho pegou, porque eu achava o Luc meio paradão. Sabe, ele não  se empenhava com os negócios. Só queria ficar cantando e twittando com as fãs dele. Então eu resolvi ser mais rígido.
“E o que você fez?”
“Eu decidi impor algumas regras,” respondeu resolutamente.
“Que tipo de regras?”
“Regras básicas, né, Glaucy, como horas pra ensaiar, horas pra cantar, horas pra twittar, horas pra arrumar a casa e assim por diante.”
“E como ele reagiu, João?”
“No começo ele até tentou, mas logo ele parou de limpar a casa, não se lembrava de pagar as contas, e eu fui ficando aborrecido. Perguntei por que  ele não pagou as contas. Ele disse que não sabia fazer cálculos muito bem.
“E você o ensinou a fazer contas?” insistiu a coruja, tentando entender melhor a explicação.
“Não, né Glaucy”, ele deveria saber,” disse meio impaciente.
“Mas diga-me uma coisa, João, você sabia cantar? Você também cantava?”
“Eu não cantava muito bem, mas com o tempo  fui pegando o jeito. Eu conseguia cantar melhor com o apoio dele, tipo num dueto. Eu gostava de duetos, só havia uma musica que a gente invertia, ou seja, eu cantava e ele fazia o back voice, que era uma musica do Milton Nascimento.
“Então,  quer dizer que você não o ensinava a fazer contas, mas ele  o ensinava a cantar?”
João se sentiu meio pressionado, mas justificou:
“São coisas diferentes, Glaucy.”
“Sim, eu entendo, mas pode ser que há coisas fáceis para você e difíceis para ele e vice versa.”
João ficou meio pensativo e não deu continuidade ao assunto.
“Mas diga-me como foi o resultado desse empreendimento, João?”
“Foi muito bom, em apenas alguns meses a gente consegui repor o dinheiro dos impostos e ainda sobrou um pouco, mas o Luc começou a ficar triste, deprimido... Ele quase não cantava mais. Quando cantava, eram músicas tristes e depressivas. Eu quis saber o que estava acontecendo, mas ele não dizia nada. Então eu quis ter uma conversa séria com ele.”
“E como foi essa conversa, João?” inquiriu a professora, encorajando João a falar mais.
“Eu disse a ele umas verdades.”
“O quê você disse?”
Eu disse ao Luc que se ele não se empenhasse mais, se ele não trabalhasse para manter as coisas organizadas, ia acabar voltando pra aquela boate fedorenta.
“Entendi,” exclamou a coruja, pensando um pouco. Depois simplesmente disse: “Medo.”
“O que você disse, Glaucy?”
“Depois a gente volta a esse assunto, João, mas continue.”
“Bom, o Luc abaixou a cabeça meio triste e  ficou olhando pela janela.”
“E depois?”
“Depois eu disse que ele deveria ter consideração, que se não fosse por minha ajuda, ele ainda estaria todo enrolado.”
“Entendi,” disse a professora Glaucy de novo, e acrescentou: “Obrigação. Mas continue.”
“Por fim, eu já estava cansado de ver o Luc imóvel, com aquela cara de quem comeu e não gostou, e disse que eu estava fazendo a minha parte, e que se as coisas não dessem certo, ele seria o único responsável.”
“Entendi,” tornou a coruja,  girando a cabeça para trás  e coçando o ombro com o bico, e disse: “Culpa.”
João não estava entendendo nada absolutamente  sobre a razão de a professora Glaucy ter dito as palavras  medo, obrigação e culpa, mas prosseguiu.
“Então, Glaucy, quando  foi hoje de manhã, eu acordei e o Luc não estava mais  lá. Chamei por ele, mas ele não respondia. Depois li um sms no meu smartphone. O Luc me deixou umas mensagens.
“Quer me contar sobre as mensagens?”
“Sim, eu posso te mostrar, Glaucy.”
“Está bem, eu quero ver, mas antes queria saber uma coisa,” disse um tanto intrigada, “o Luc nunca o ajudou de alguma maneira?”
“Claro que sim, Glaucy, ele me deu apoio e me ajudou, quando soube que eu estava separado.”
“Que mais, João?”
“Bom, ele também me ensinou a cantar melhor, me deu dicas de vocalização, me corrigiu em certas posturas também. Ele dizia para eu parar de bater as asas quando cantava. O Luc brincava e dizia que às vezes eu parecia estar dando uma gargalhada quando cantava.”
“Entendo, João, mas vamos às mensagens, o que ele escreveu?”
“Veja que ingrato, Glaucy, veja só o que ele escreveu. Foram três mensagens:

‘Não se lamente pelo que se foi para sempre;
Guarde o que você tem;
Nunca confie na palavra de alguém que esteja preso.’

Ele foi embora, Glaucy, e  nunca  mais vai voltar.”
“Por que você acha isso?”
“Basta ler as mensagens, Glaucy,” respondeu João com a garganta fechada e voz embargada, “ele disse que nunca mais iria voltar. Ou você acha que ele vai voltar, Glaucy?” perguntou, tentando tirar da professora Glaucy alguma informação, ou esperando que ela lhe revelasse alguma coisa sobre o futuro.
“Pode ser que sim, pode ser que não,” respondeu, “como eu vou saber? Embora, que eu saiba,  os rouxinóis sempre voltam de onde partiram.
“É, eu acho que ele não volta mais, Glaucy, ele disse que a gente não deve confiar na palavra de alguém que esteja preso.”
“Então inverta a tese, João.”
“Como assim, Glaucy”, perguntou atônito.
“Ora, se você não pode confiar na palavra de quem está preso, então pode confiar na palavra de quem está livre, não é?”
João ficou meio confuso com a inversão das premissas.
“Então você acha que ele vai voltar?” insistiu.
“Vou  contar uma estória para você, João,” disse a professora Glaucy, batendo as duas asas, como se estivesse ensaiando um voo ou fazendo algum exercício. Depois limpou a garganta e prosseguiu:
“Um homem muito rico foi a um mercado de pássaros. Quando chegou lá viu os mais belos pássaros cantores. Viu pássaros com as mais reluzentes penas. Todos estavam presos numa gaiola muito grande. Mas, lá no cantinho havia um passarinho doente, despenado, com o bico quebrado, ferido e abandonado. Então o homem rico quis compra-lo.”
João seguiu ouvindo atentamente.
“Então,” continuou a coruja, criando  certo suspense, “todos ficaram sem entender por que ele quis comprar aquele passarinho ferido, fraco, sem viço algum, doente e quase morrendo, mas ele  comprou o pássaro mesmo assim. Depois o pássaro quis saber por que ele havia feito isso. Ele disse: 
‘Porque  eu amo você e quero sua liberdade.’ Ele abriu as mãos e disse ao pássaro: 
‘Vá, você agora é livre, pode ir.’ 
O pobre passarinho não entendeu nada e insistiu: 
‘Mas por que está me libertando,  por  que está fazendo isso?’ 
‘Já disse’, respondeu o homem rico, ‘eu te amo e quero que você seja livre. Vá’, disse ele, o soltando, mas o passarinho ficou tão comovido pelo amor daquele homem e disse: 
‘Jamais eu irei, quero ficar sempre ao lado de quem me ama e cuida de mim.’ ”
João olhou de esguelha, fechou um pouco os olhos e parecia não estar entendendo a conversa da coruja e aonde ela queria chegar. Embora confuso com o desenrolar da estória, João  comentou:
“Mas  só Jesus Cristo é capaz de amar alguém assim.”
“Então é um bom exemplo, não é mesmo?” devolveu a coruja,  dando uma piscadela com o olho esquerdo.
“E não sei por que está me contando essa estória, Glaucy, o Luc não estava em nenhuma prisão ou gaiola; minha casa  não tinha nenhuma grade e não era nenhuma gaiola. O Luc podia entrar e sair  quando quisesse, tanto que saiu.
A professora Glaucy pensou um pouco e respondeu:              
“João, nem sempre as prisões são feitas só de  grades.”
“Então de que outra maneira elas podem ser feitas, você pode me explicar?” perguntou num tom um tanto indignado.
“Elas podem ser feitas de culpa, medo e obrigação, João. E se você ama alguém, não  vai querer aprisionar essa pessoa por meio da culpa, do medo e da obrigação.”
João se sentiu ultrajado, ofendido, indignado. A raiva o consumia como fogo. Ele queria pular no pescoço da professora.
“Você está me confundindo,” bradou, “quero que saiba que eu sou macho. Aqui é espada, e eu não estou entendendo aonde quer chegar com esse papo de frutinha. Esse papo de amar macho. Fique sabendo que eu sou hétero,” fuzilou.
“João pensou em dar uma bicada na cara  daquela coruja atrevida, mas quando se levantou, teve a impressão de que a professora Glaucy estava começando a fazer aquela cara carrancuda de novo.
“Eu só queria dar um exemplo de como é importante  para uma pessoa não ser possessiva  e controladora com o parceiro que ama, João”, tentou explicar.
“Ele é meu parceiro de negócios,” soletrou  João, "negócios.”
“E quem disse que é de outra maneira? Você não pode amar um parceiro de negócios?”
João se atrapalhou, parecia ter caído numa armadilha semântica que ele mesmo criara. Ficou corado e confuso e envergonhado por haver se precipitado, mas o sentimento predominante era de  raiva. João se levantou furioso e deu um passo decidido na direção da professora Glaucy,  mas percebeu que a coruja era muito maior do que ele e  conteve seu ímpeto. O sol já estava despontando. João olhou bem dentro dos olhos da professora Glaucy e viu seu reflexo de novo. Viu como ele realmente era nos olhos dela. João quis bicar, agredir, mas viu seu tamanho real refletido nos olhos da coruja  e teve medo. Não tanto por causa do tamanho da coruja, mas por causa da sua imagem apequenada refletida em sua retina,  e achou que não deveria ter essa ousadia.  Ele se achava maior do que era, mas viu seu tamanho real refletido nos olhos arregalados daquela coruja. No fundo João não sabia se queria agredir a coruja ou aniquilar aquela imagem tímida e diminuta  refletida naqueles olhos misteriosos.  Então teve  vontade de  fugir  dali, de abandonar aquele ambiente pesado e opressor. Não sabia se queria fugir da presença da coruja ou de si mesmo. Sentia-se pequeno e achatado. Despediu-se da coruja cego de raiva
 “Adeus e obrigado,” limitou-se a dizer essas palavras rispidamente enquanto começava a  tremular as asas pronto  para voar dali.
A professora Glaucy o olhou com compaixão e concluiu:
“João, você é bom, seu coração é cheio de amor, você é inteligente, dedicado e altruísta. O que você faz não é para controlar as pessoas ou dominá-las, mas é porque se sente  inseguro e tem medo de ser abandonado. Eu sei que seu amigo Luc vai ponderar sobre  essas coisas e vai reconsiderar sua opinião sobre você, quando ele descobrir que, no fundo, você é como o homem rico.”
João saiu voando pela janela, cheio de pensamentos confusos e conflitantes. Conseguiu voltar ao seu ninho muito mais rapidamente do que quando havia voado para o sótão da coruja.
Quando chegou, sua mente parecia um turbilhão. Estava confuso e se sentia desestabilizado emocionalmente. Ficou meditando nas palavras finais da coruja e não conseguia entender se aquelas palavras  era um conselho sábio ou um vaticínio ou uma profecia.
João respirou fundo e depois de meditar sobre  as  palavras da professora Glaucy se sentiu calmo e sereno. Um sentimento de tranquilidade e confiança como nunca sentira antes.
Lembrou-se da canção de Milton Nascimento que sempre cantava  com Luc nos momentos  que tiveram de alegria e descontração e começou a cantar:

“Rouxinol tomou conta
Do meu viver.
Chegou quando procurei
Razão pra poder seguir.
Quando a música ia
E quase eu fiquei.
Quando a vida chorava
Mais que eu gritei...”

Quando estava para começar a segunda parte da canção, olhou para a entrada do ninho.  Uma imagem surgiu, com um halo de luz solar radiante por trás de si. Um pássaro singelo,  de bico curto e bem aberto, de penas marrons, vermelhas e amarelas, aproximou-se com olhar terno, num balanço suave e preciso, e com o corpo todo iluminado. Luc abriu bem o bico e, num canto doce e aveludado, terminou a canção junto com João numa suave harmonia:

“Pássaro
Deu a volta ao mundo
E brincava.
Rouxinol me ensinou
Que é só não temer.
Cantou.
Se hospedou em mim.

Todos os pássaros
Anjos dentro de nós:
Uma harmonia trazida
Dos rouxinóis...”





Nenhum comentário:

Postar um comentário