Gilson Marcon de Souza
Nunca ouvi um pássaro
Pronunciar uma palavrinha sequer,
Mas quando começam a cantar
Contam de tudo
(Da Biografia de Fanny Grosby)
Já era o
auge da primavera, todavia ninguém se arriscava a dar palpite algum sobre
como seria o dia.
Ora o calor
escaldante fustigava quem quer que se atrevesse a passar algum tempo sob o sol
abrasador, ora a neblina e a garoa frias poderiam convencer facilmente os menos
acostumados com as variações climáticas típicas da estação de que ainda parecia
ser inverno.
Isso não era empecilho algum para que João de Barro continuasse seu labor
árduo. Nem o sol tórrido, nem a garoa álgida, nem a chuva torrencial, nem a
neblina espessa, nem o vento forte eram obstáculos para demovê-lo de sua labuta
constante e aferrada tarefa de terminar o mais rápido possível sua nova moradia
que, diga-se de passagem, poderia ser considerada sua obra-prima.
Não que suas construções anteriores tivessem sido feitas sem nenhuma diligência
ou de modo desleixado, mas a experiência o ajudou a trabalhar com mais
destreza, cuidado e afinco.
A câmara que fizera no interior de seu ninho para impedir a corrente de ventos
hostis era a maior evidência de seus conhecimentos arquitetônicos, inteligência
e habilidade.
Trabalhador dedicado, incansável, obstinado, não se deixava intimidar pelas
dificuldades ou adversidades. Inteligente e brilhante, sabia transformar
intempéries em oportunidades e observava cuidadosamente todos os detalhes à
sua frente e sempre conseguia arranjar alguma solução prática para algum
problema inesperado.
O calor intenso foi suficiente para agrupar no céu, há instantes límpido e
claro, espessas nuvens negras, que não tardaram a despejar, naquela tarde, uma
torrente de água como há muito não se via.
Terminado todo aquele aguaceiro, aos poucos os ventos fortes foram minguando,
até se converterem numa suave e revigorante brisa de fim de tarde.
João não podia perder um segundo sequer: sacolejou as asas, recobertas de penas
marrom-avermelhadas, estufou bem o peito amarronzado e encrespou as
sobrancelhas de suaves contornos. Seus olhos atentos e fixos vasculharam o
terreno ao redor e, depois de alçar um voo preciso, elevou-se ao alto,
circundou o perímetro do novo ninho, realizou com perfeição algumas acrobacias
e evoluções aéreas e pousou bem ao lado de uma poça de lama espessa, e
logo tratou de colher, com o bico, uma farta bolota de barro que havia amassado
com os próprios pés.
Em seguida, voou de volta para assentar a derradeira porção de barro molhado no
topo do ninho. Suspirou e observou tudo, conferindo cada detalhe,
supervisionando cada aspecto da sua primorosa moradia com a máxima atenção, mas
decidiu que ainda precisava reforçar a estrutura das paredes externas com mais
um pouco de palha, o que fez imediatamente e sem perda alguma de tempo.
Apesar de
dar por encerrada a construção de mais uma moradia, João se sentia angustiado.
Sempre que terminava uma obra como essa, se sentia realizado, feliz e pronto
para outra. Mas, desta vez, o término da imponente arquitetura não o fez se
sentir particularmente realizado. Ao contrário, sentia-se angustiado. Um vazio
ingente tomou posse de seu peito melancólico... Uma tristeza pegajosa, um desalento
atroz, um sentimento de consternação, desesperança, desolação, abandono...
Sentia o peito comprimido e um nó na garganta. Duas tímidas lágrimas
despontaram de seus olhos tristes e logo se avolumaram, até se transformarem
num choro cálido, embora contido.
João não era um pássaro arisco, ao contrário, era acessível a todos e nunca era
visto muito longe de seu ninho. Porém, já estava assentado em seu coração o
desejo de visitar a professora Glaucy a qualquer custo. Talvez ela pudesse
ajudá-lo e desanuviar seus pensamentos obscuros.
Já havia decidido que iria vê-la, mesmo que para isso tivesse de voar uma longa
distância e afastar-se muito de seu ninho.
Foi assim que fez: ponderou tudo, pensou no perigo de voar ao anoitecer, na
possibilidade de uma nova tempestade, pois, de novo, o céu escuro prenunciava
novas chuvas.
Ele precisava ir, precisava de direção, de conselho, de luz, de uma visão
expandida e de uma consciência arejada.
No fundo, João tinha certo medo da professora Glaucy. Ele não a conhecia
pessoalmente, mas as informações que tinha sobre ela eram contraditórias.
Alguns a consideravam muito sábia e justa — alguém que conseguia enxergar as coisas de uma
perspectiva ampla e abrangente; outros, que ela tinha o dom da clarividência e
conseguia revelar segredos e conhecimentos ocultos. Outros, ainda, que ela não
passava de uma buena-dicha charlatã e uma verdadeira predadora—. Mas todos eram unânimes ao
considerá-la extremamente sinistra e misteriosa.
Isso não importava mais. Já estava resolvido. João decidiu ir de qualquer
maneira, custasse o que custasse. Ele não podia mais viver com aquela angústia
e precisava esclarecer tudo.
Já se sentia preparado. Olhou para a amplidão do firmamento e avaliou
meticulosamente como deveria traçar sua rota de voo. Ele nunca havia voado para
um local tão distante. Calculou que logo iria escurecer. Nunca havia
empreendido um voo ao cair da noite, por isso decidiu ser o mais cuidadoso e
meticuloso possível.
João sempre
era muito metódico em tudo o que fazia. Era parte de sua rotina avaliar,
ponderar, calcular, antecipar resultados. Antes de começar a voar, traçou uma
rota mental de como deveria ser seu arriscado voo. Pensou que seria melhor voar
por etapas, pousando em certos locais específicos para descansar e reavaliar as
condições de voo e então avançar um pouco mais.
Seu mapa
mental incluía um poste próximo, depois uma árvore antiga e encorpada, o velho
eucalipto seco, a majestosa paineira, a airosa quaresmeira, e, finalmente, o
topo da montanha mais alta. Depois disso, ele empenharia um voo rasante e
voaria direto para o sótão de um casebre abandonado.
Ele sabia que a última etapa do trajeto seria a mais difícil, pois, para além
da montanha, não haveria mais luzes. O lado oposto do morro estava mergulhado
na mais negra treva e, nesse ponto, ele sabia que deveria confiar totalmente em
seu mapa mental. Voaria quase que a esmo, às cegas, e não poderia se desviar um
centímetro sequer da reta mental que havia imaginado.
Foi assim que fez. Tudo correra exatamente como ele havia planejado: cada
escala, cada ponto predeterminado...
Embora
tivesse calculado todos os detalhes possíveis e antecipado cada parada estratégica,
errou um pouco sobre o horário do pôr do sol. João havia calculado esse
detalhe com precisão, mas não teve condições de saber que, devido à formação de
uma nova tempestade, as nuvens espessas encobririam os fracos raios solares
antes da hora, lançando a encosta do outro lado da montanha em densas trevas
antes do previsto.
Nesse ponto
ele teve de se apressar um pouco mais. Sentiu medo nessa hora, mas fechou um
pouco os olhos, respirou fundo e se lançou numa imersão ousada e corajosa.
Penetrou as densas trevas na maior velocidade que pôde empregar — um mergulho num oceano
de trevas espessas que ele deveria singrar até chegar ao alvo almejado— .
Ele podia
sentir o zumbir do vento em seus ouvidos, e as gotas de chuva pareciam pequenos
detritos lançados contra seu rosto. O único momento em que abriu os olhos foi
quando se assustou com o clarão e o estampido de um impetuoso raio. Seu corpo
parecia ter perdido a estabilidade, tanto pelo susto por causa do
estrondo do raio, como pela força do vento adverso. De qualquer maneira,
esse incidente o salvou, pois, ao abrir os olhos, os clarões dos relâmpagos
foram suficientes para alumiar toda a encosta da montanha e o fundo do vale.
Não foi difícil vislumbrar o sótão e, assim, corrigir sua rota oblíqua.
Finalmente,
conseguiu pousar apenas a alguns metros da entrada de seu destino.
João sacudiu
as asas molhadas e respirou fundo. Seu coração ainda batia de modo acelerado.
Saltitou um pouco e não quis perder tempo; queria logo entrar naquele sótão
que, embora sombrio, era o único refúgio seguro da chuva forte.
Depois de
forçar a entrada com o bico, deu alguns passos reticentes. A escuridão interna
parecia ser ainda mais densa do que as trevas exteriores. Um ar pesado e
sufocante o envolvia. Os lampejos dos relâmpagos, vez por outra, permitiam que
ele pudesse ver, por frações de segundos, que se tratava de um local
empoeirado, com tijolos à vista mal assentados, e uma camada espessa de poeira
sobre o assoalho.
Não sabia se
sua mente apavorada havia lhe pregado alguma peça, mas podia jurar que havia
visto uma cruz invertida pendurada em uma das paredes. Não deixou se levar por
um julgamento tão rápido e decidiu conferir melhor quando o clarão do próximo
relâmpago lançasse um pouco mais de luz naquele canto. Talvez sua mente tivesse
lhe enganado de alguma maneira, mas não deixou de ficar atento à espera
do próximo clarão. Talvez fosse parte da estrutura do telhado, cuja sombra
oblonga o fizesse imaginar uma cruz invertida.
O medo havia
tomado conta de todo seu ser. Sentia mais medo ali naquele local do que quando
estava voando. Encolheu-se num canto. “Onde estaria a professora Glaucy?”
imaginou.
De repente,
João ouviu atrás de si o que parecia ser um grito — um urro apavorante — . Parecia o clamor de uma
mulher sendo esfaqueada: um brado de terror, um berro de desespero e de
dor intensa. João estava apavorado e pensou em sair dali. Virou seu rosto para
trás, para ver de onde partia aquele grunhido de aflição. Nesse instante, teve
a visão mais aterradora de que se lembra em toda sua vida — no canto oposto pôde ver
a cena mais assombrosa: o vulto de um ser muito maior do que ele, cujas
enormes asas abertas empurravam contra seu rosto o fluxo daquele ar espesso e
poeirento — .
João
esforçou-se para observar melhor, e seu coração quase parou de bater quando viu
uma coruja de meia idade girar a cabeça para trás sem mover sequer um milímetro
de seu corpo. Parecia que estava assistindo a uma cena clássica de filme de
terror.
“Como era
possível alguém girar a cabeça para trás totalmente sem mexer o corpo?”
imaginou.
João
afastou-se e tropeçou num pedaço de madeira solto no chão. Um relâmpago mais
demorado jorrou luz no rosto de uma coruja rajada, e João pôde ver sua própria
imagem projetada naqueles enormes olhos amarelados. João podia ver a si mesmo
no reflexo dos olhos da professora Glaucy e assustou-se mais ainda com a imagem
de si mesmo se mexendo no fundo de seus olhos.
“Então você
veio,” afirmou a coruja com a voz mais baixa. “Queira me desculpar, mas eu o
assustei. Eu sabia que você viria e já o estava esperando.”
A professora
Glaucy tratou de ser mais acolhedora e convidou João de Barro para um local
mais claro.
“Desculpe
João, a claridade intensa ofusca um pouco minha visão, mas vamos nos acomodar
num local mais claro para podermos conversar.”
A professora
Glaucy era uma coruja robusta, com penas castanhas, bico afilado e imensos
olhos cintilantes. De uma hora para outra, era capaz de mudar sua fisionomia,
de um rosto fechado e carrancudo para a face mais suave e dócil que
alguém pode imaginar. Às vezes, sua expressão era de meter medo a
qualquer mortal, mas quando desfazia seu cenho severo era capaz de
desvelar uma fisionomia afável e amigável, capaz de conquistar a mais ressabiada
criança com a maior demonstração de carinho, amizade e empatia. Ela parecia
sentir o que as pessoas sentiam
Foi com esse
olhar de ternura e compaixão que recebeu João de Barro, o que fez com que,
apesar do susto inicial, ele logo se acalmasse e se sentisse mais acolhido e
seguro.
“Como a
senhora sabia quem eu sou e que eu viria?” perguntou João, com ar de
curiosidade.
“Bem,”
respondeu a coruja, balançando o corpo de um lado para o outro, “primeiro vamos
dispensar as formalidades.”
A professora
Glaucy dava aulas de análise de discursos num curso de letras, além
de ser formada em filosofia e pedagogia. Porém, ela gostava de analisar o
discurso do modo como as pessoas falam no dia a dia. Não era muito de falar;
gostava mais de observar e ouvir o tempo todo. Ela achava que a melhor maneira
de fazer as pessoas descobrirem as coisas ainda era como o velho Sócrates
ensinara, ou seja: deixar que elas mesmas dessem à luz suas ideias e
conclusões. Com esse método, ela fazia com que as pessoas trouxessem à
tona coisas escondidas no fundo da mente. Por isso as pessoas achavam que ela
tinha parte com o oculto. Nada mais errado. Ela simplesmente ajudava as pessoas
a enxergarem melhor o mundo e a si mesmas, e fazia isso com pouca intervenção,
por meio de uma pergunta ou outra, mas sempre gostava de contar alguma estória
no final da conversa.
“Não precisa
me chamar de senhora e também não se preocupe em falar corretamente, mas eu sei
que viria porque seu amigo Luc me disse que talvez você viesse conversar
comigo.”
João se
sentiu mais à vontade por ser dispensado de se esmerar para falar
corretamente, mas não deixou de mostrar um visível olhar de tristeza e
desapontamento quando ela mencionou o nome do amigo. João tentou disfarçar e
cobriu o rosto com uma das asas, enquanto abaixava um pouco a cabeça para
tentar esconder os olhos vermelhos e uma lágrima perdida.
“É verdade,”
respondeu com o olhar distante, “o Luc sempre falava bem da senhora, quer
dizer, de você”, corrigiu, já se sentindo mais à vontade.
“Então fique
à vontade,” insistiu a coruja, com um tom de voz suave e carinhoso. “Não
quer recostar um pouco?” completou, apontando para um local mais arejado
e perto de uma janela que permitia um pouco a entrada do clarão da lua,
já que a tempestade havia terminado tão repentinamente como havia começado.
“Mas o que o
traz aqui?”, indagou enquanto inclinava a cabeça para o lado e abria ainda mais
seus enormes olhos.
“Sabe,
Glaucy,”gaguejou um pouco, “é por causa do Luc que estou aqui, ele me deixou
muito desapontado e triste. Nunca poderia imaginar que ele fosse tão
ingrato e cruel.”
“Mas ele
parece ser um pássaro tão singelo e dócil. Não quer me contar o que
aconteceu?”
“Bom,
Glaucy, eu teria de contar a história toda, e não sei se você está disposta a
ouvir.”
“Nós temos a
noite toda, João. Não se preocupe com o tempo, mas você pode resumir um pouco,
se quiser.”
“Bom, quer
dizer, bem,” corrigiu.
“Pode falar
como fala em sua casa, João, não se preocupe e deixe as formalidades para
meus alunos da faculdade.”
“Bom”, continuou,
“eu conheci o Luc numa casa noturna. Logo que o conheci, fiquei muito
impressionado com sua voz. Quando o vi cantando. Era a voz mais linda que eu já
ouvi em toda a minha vida. Eu fiquei hipnotizado com aquela voz e com aquele
modo de cantar. Quando me aproximei, vi que era um rouxinol pequeno. De
longe, não podia saber se era macho ou fêmea, à primeira vista. Era
de uma aparência meio andrógina. As pessoas se confundiam um pouco com isso.
Então me aproximei para ouvi-lo melhor. Quando ele cantava, todos ficavam
extasiados. O Luc podia cantar por mais de duas horas sem repetir a mesma
sequência. Era um pássaro de penas castanhas, meio avermelhadas. Cantava
num timbre alto, mas doce. Ele conseguia produzir uma enorme variedade de
trinados e gorjeios num crescendo que levava todos a um verdadeiro êxtase. Mas,
as vezes, seu canto parecia um lamento triste, principalmente quando ele
cantava bluegrass.
“Eu já
tive a oportunidade de ouvi-lo cantar,” lembrou-se a professora Glaucy,
“mas eu me lembro de tê-lo visto cantar no parque. E você tem razão, ele
gostava de cantar para os casais de namorados e ficava mais feliz quando
via as pessoas felizes do que quando alguém lhe dava alguma contribuição”,
arrematou. “Nós conversamos por algumas vezes e eu pude perceber que ele era um
pássaro gentil, sincero e delicado, embora um pouco tímido.”
“Isso é
verdade, Glaucy.”
“Mas,
continue sua história,” insistiu, prestando atenção em cada palavra e gesto de
João.
“Nós nos
tornamos bons amigos. O Luc estava muito decepcionado e deprimido nesse
período.”
“E porque
ele estava assim?” indagou a professora Glaucy, mais interessada ainda.
“Então,
Glaucy, ele estava triste porque se sentia muito preso. Estava muito aborrecido
por dois motivos.”
“Que
motivos, João?”
“Primeiro,
porque antes ele gostava de cantar na igreja,” respondeu.
“Ele cantava
no coro da igreja?”
“Não,
Glaucy, na torre da paróquia. Mas um dia ele ficou muito chateado porque estava
com fome. Então ele entrou no templo e comeu um pedacinho de pão.”
“E o que tem
isso demais?” indagou a professora.
“Bom, as
pessoas da igreja se sentiram indignadas e o espantaram de lá. Ele se sentiu
enxotado. As pessoas da igreja disseram que ele não deveria jamais ter comido o
pão da Santa Ceia do Senhor, pois ele era indigno. Somente bons cristãos, de
consciência limpa e sem pecado, em comunhão com a igreja, podiam
comer o pão do sacramento.”
A professora
Glaucy suspirou fundo, mas não disse nada, e continuou ouvindo com atenção.
“Foi então
que o Luc começou a cantar no parque,” explicou. “Ele ficou chateado porque
sentia fome e não podia comer o pão da igreja. Então ele deixou de cantar na
igreja não só por causa desse lance de ter comido o pão, mas porque ele queria
cantar com as pessoas e não podia. Ele via toda aquela linda celebração,
aqueles cânticos lindos, toda aquela gente cantando. Queria participar daquela
alegria, daquele júbilo, mas se sentia preterido. Eles diziam que aquilo não
era comida de pássaro, e, portanto, ele não poderia comer. Por isso ele
não se sentia incluído. Algumas pessoas tinham dó e lhe davam um pedacinho de
pão escondido. E ele retribuía cantando um bluegrass que
adorava:
‘Quando as
sombras desta vida passarem,
Eu voarei.
Como um pássaro livre da prisão,
Eu voarei.
Como um pássaro livre da prisão,
Eu voarei.
Eu voarei, que glória!
Eu voarei, que glória!
Eu voarei
pela manhã.
Quando eu morrer, aleluia,
Num instante, eu voarei.’”
Quando eu morrer, aleluia,
Num instante, eu voarei.’”
Assim que
João encerrou a explicação, ambos abaixaram um pouco a cabeça, muito
pensativos, e guardaram um silêncio não muito breve.
Depois de um
período de tempo em silêncio, a professora Glaucy retomou a conversa e
perguntou:
“E qual o
segundo motivo, João?”
João liberou
o ar dos pulmões, depois de haver inspirado bastante, como se estivesse dando
um suspiro reprimido e prosseguiu:
“Depois
disso o Luc foi sondado por alguns caça-talentos. Nesse período ele
cantava no parque em troca de algumas gratificações. De alguma maneira,
perceberam que ele era muito talentoso e o convidaram para cantar nessa casa
noturna,” explicou. “Foi nesse período que eu o conheci.”
“Estou
entendendo, João,” interveio a professora, com ar de curiosidade, “mas parece
que você o ajudou muito nesse tempo.”
“Pelo menos
foi minha intenção, Glaucy, o Luc tem dificuldade de entender certas
coisas.”
“Mas por que
ele precisava de ajuda, João?”
João pensou
um pouco, procurando as palavras certas.
“Sabe,
Glaucy, no começo o Luc estava muito entusiasmado, principalmente porque ele
gostava de cantar à noite, mas com o tempo ele foi ficando desanimado e
deprimido.”
“Por que
motivo, João?”
Por que o
Luc é meio ingênuo para negócios e acabou assinando um contrato que não era
muito favorável para ele. Sabe como é, não teve paciência de ler aquelas
letrinhas. Prometeram a ele mundos e fundos, mas, quando se deu conta,
tinha de fazer de tudo — desde
propagandas, promoção dos shows, marketing, à contabilidade — e ele não se dava
bem com essas coisas, porque queria mesmo era cantar, cantar, cantar...
Enfim, sobrava pouco dinheiro. Então ele se enrolou e deixou de pagar
alguns impostos, para poder sobrar alguma quantia para comida e percebeu que
estava se sentindo preso. Nós conversamos, e ele estava muito
decepcionado mesmo, pois estava se sentindo um escravo. Sentiu vontade até de
voltar a cantar lá no parque em troca de gorjetas, pois se sentia mais
realizado e livre lá, além de ganhar mais com isso do que com o que ele
ganhava na casa noturna. ”
“Agora eu
estou entendendo mais, João, eu e o Luc não conversávamos muito pessoalmente,
mas gostamos muito de trocar tweets.”
“Então,
Glaucy, o Luc estava numa situação difícil, sem dinheiro para comprar as
coisas mais básicas e atolado em dívidas e impostos. A gente se tornou bons
amigos,” prosseguiu João, sentindo-se mais à vontade, e parou de se preocupar
com a gramática. “A gente conversou bastante e eu pensei
numa maneira de poder ajudar. Então eu tive algumas ideias e conversei com
ele.”
“Que
ideias?” perguntou a professora Glaucy, limitando-se a ouvir e intervindo cada
vez menos, a não ser por uma pergunta ou outra que julgava pertinente. A
lua havia avançado um pouco mais, para fora do ângulo da pequena abertura, e o
ambiente se tornou um pouco mais escuro novamente. João só conseguia ver
a silhueta da atenciosa coruja e o cintilar de seus olhos
misteriosos.
“Eu
conversei com o Luc e disse que tinha algumas casas. Uma delas estava meio
abandonada, e eu estava pensando em vender, pois tive notícias de que
estava sendo ocupada por maus elementos.”
“Que tipos
de maus elementos, João?”
“Ah, tinha
de tudo lá: cobras, ratos, aranhas, lagartos... essa gente não trabalha e só
quer viver à custa do suor dos outros,” desabafou. Então eu disse pro Luc que
eu podia vender essa casa e, com o dinheiro, poderia ajudá-lo a pagar
suas dívidas e rescindir o contrato que o deixava preso. Luc ficou pensativo,
imaginando como iria continuar cantando. Então eu disse pra ele ficar de boa e
sugeri que fizesse shows. Ele pensou bastante e gostou da ideia. Disse
que estava pensando em mudar de estilo, mas precisava de apoio.”
“Que tipo de
apoio, João?”
“Apoio
vocal, queria alguém para ajudar com segunda voz ou back voice. Eu disse que não
cantava bem, mas poderia tentar ajudar. Perguntei o que ele estava pensando e
ele respondeu que queria cantar yodel ou bluegrass. O Luc ficou meio sem
jeito com a ajuda e disse que só aceitaria como empréstimo e se pudesse
retribuir depois, que não queria nada de graça. Então eu disse que, quando
começasse a entrar algum dinheiro, ele me pagaria. Ele achou a proposta
razoável. O Luc ficou muito feliz e não sabia como agradecer. Então nós
começamos a trocar ideias, fazer planos, e eu sugeri que comprássemos roupas e
equipamentos. Também sugeri que a gente cantasse sertanejo universitário
e MPB; yodel e bluegrass eram bem regionais e não eram estilos
bem conhecidos. Luc argumentou que sertanejo universitário também era regional,
mas eu o lembrei do sucesso mundial do Michel Teló e do Gusttavo Lima.
A professora
Glaucy continuou a ouvir atentamente.
“E como foi
o empreendimento de vocês?” perguntou, ajeitando-se ao lado de uma pilha
de livros antigos.
“Bom,
ele ficou bem pensativo, mas concordou com a ideia. Nós fizemos ensaios e
logo começamos. Claro que eu tive de corrigir certas coisas no Luc e quis
tentar pôr ele na linha.
“Corrigir
certas coisas?”
“É, Glaucy,
eu acho que o Luc é um talento raro, mas precisava ser lapidado. O Luc
tinha certos vícios que precisava de correção,” disse num tom incisivo e
um tanto autoritário.
“Você pode
ser mais claro, João, que tipo de coisas você acha que ele precisava mudar?”
Bom, a
começar pela postura. Eu disse que ele precisava ser, digamos, mais
viril, se a gente fosse cantar sertanejo universitário. Disse que pegava mal
ficar usando maquiagem e rímel.
A professora
Glaucy não pôde esconder um ar de espanto e ficou pasmada.
“Mas, João,
esses recursos são importantes para os artistas. Você não Acha?”
“Eu
sei, Glaucy, mas eu pedi para ele maneirar um pouco. Pedi pra ele só aparar as
sobrancelhas e não as delinear muito. Disse que sertanejos tinham de ser viris.
O Luc era muito delicado. Uma vez eu pedi pra ele me ajudar a colocar um pouco
de barro na casa, e ele fez o maior escândalo porque eu pedi pra ele trazer uma
bolota de estrume. ”
“Então o Luc
foi morar com você, não é mesmo?”
“É, Glaucy,
ele não tinha como pagar aluguel, então eu disse que podia ficar lá em
casa por algum tempo.”
“Mas a sua
esposa, você não é casado?”
João ficou
pensativo nessa hora, mas prosseguiu:
“Eu estou
separado, Glaucy.”
A professora
Glaucy não quis ser invasiva e ficou em silêncio, mas João se sentiu à
vontade para continuar.
“Eu me
separei porque achei que minha mulher andava arrastando as asinhas pra
outros passarinhos. Já tinha gente me chamando de corno manso. Então eu
fui conversar com ela. Ela ficou muito indignada e nós acabamos discutindo.
Então, você sabe, no calor da discussão eu acabei dando uma bicada nela. Então
ela quis se separar e me denunciou. Eu fui enquadrado na Lei Maria da Pena e
preciso manter uma certa distância dela.”
“O Luc me
disse que havia um boato sobre uma casa...” Provocou a professora.
“Ah, esse
boato de que eu a tranquei na casa. Isso é pura fofoca, Glaucy. Esse povinho
tem veneno na língua. O que acontece é que a casa ficou abandonada. Então umas
abelhas sem-teto, invadiram a casa e fecharam a entrada. Eu estou
esperando pela reintegração de posse. Foi isso que aconteceu.
“Agora eu
entendi, então por isso o Luc pôde morar com você.”
“É, Glaucy,
mas é aí que o bicho pegou, porque eu achava o Luc meio paradão. Sabe, ele
não se empenhava com os negócios. Só queria ficar cantando e twittando
com as fãs dele. Então eu resolvi ser mais rígido.
“E o que
você fez?”
“Eu decidi
impor algumas regras,” respondeu resolutamente.
“Que tipo de
regras?”
“Regras
básicas, né, Glaucy, como horas pra ensaiar, horas pra cantar, horas pra
twittar, horas pra arrumar a casa e assim por diante.”
“E como ele
reagiu, João?”
“No começo
ele até tentou, mas logo ele parou de limpar a casa, não se lembrava de pagar
as contas, e eu fui ficando aborrecido. Perguntei por que ele não pagou
as contas. Ele disse que não sabia fazer cálculos muito bem. ”
“E você o
ensinou a fazer contas?” insistiu a coruja, tentando entender melhor a
explicação.
“Não, né
Glaucy”, ele deveria saber,” disse meio impaciente.
“Mas diga-me
uma coisa, João, você sabia cantar? Você também cantava?”
“Eu não
cantava muito bem, mas com o tempo fui pegando o jeito. Eu conseguia
cantar melhor com o apoio dele, tipo num dueto. Eu gostava de duetos, só havia
uma musica que a gente invertia, ou seja, eu cantava e ele fazia o back voice, que era uma musica
do Milton Nascimento.
“Então,
quer dizer que você não o ensinava a fazer contas, mas ele o
ensinava a cantar?”
João se
sentiu meio pressionado, mas justificou:
“São coisas
diferentes, Glaucy.”
“Sim, eu
entendo, mas pode ser que há coisas fáceis para você e difíceis para ele e vice
versa.”
João ficou
meio pensativo e não deu continuidade ao assunto.
“Mas diga-me
como foi o resultado desse empreendimento, João?”
“Foi muito
bom, em apenas alguns meses a gente consegui repor o dinheiro dos impostos e
ainda sobrou um pouco, mas o Luc começou a ficar triste, deprimido... Ele quase
não cantava mais. Quando cantava, eram músicas tristes e depressivas. Eu quis
saber o que estava acontecendo, mas ele não dizia nada. Então eu quis ter uma
conversa séria com ele.”
“E como foi
essa conversa, João?” inquiriu a professora, encorajando João a falar mais.
“Eu disse a
ele umas verdades.”
“O quê você
disse?”
Eu disse ao
Luc que se ele não se empenhasse mais, se ele não trabalhasse para manter as
coisas organizadas, ia acabar voltando pra aquela boate fedorenta.
“Entendi,”
exclamou a coruja, pensando um pouco. Depois simplesmente disse: “Medo.”
“O que você
disse, Glaucy?”
“Depois a
gente volta a esse assunto, João, mas continue.”
“Bom, o Luc
abaixou a cabeça meio triste e ficou olhando pela janela.”
“E depois?”
“Depois eu
disse que ele deveria ter consideração, que se não fosse por minha ajuda, ele
ainda estaria todo enrolado.”
“Entendi,”
disse a professora Glaucy de novo, e acrescentou: “Obrigação. Mas continue.”
“Por fim, eu
já estava cansado de ver o Luc imóvel, com aquela cara de quem comeu e não
gostou, e disse que eu estava fazendo a minha parte, e que se as coisas não
dessem certo, ele seria o único responsável.”
“Entendi,”
tornou a coruja, girando a cabeça para trás e coçando o ombro com o
bico, e disse: “Culpa.”
João não
estava entendendo nada absolutamente sobre a razão de a professora Glaucy
ter dito as palavras medo, obrigação e culpa, mas prosseguiu.
“Então,
Glaucy, quando foi hoje de manhã, eu acordei e o Luc não estava mais
lá. Chamei por ele, mas ele não respondia. Depois li um sms no meu smartphone. O Luc me deixou
umas mensagens.
“Quer me
contar sobre as mensagens?”
“Sim, eu
posso te mostrar, Glaucy.”
“Está bem,
eu quero ver, mas antes queria saber uma coisa,” disse um tanto intrigada, “o
Luc nunca o ajudou de alguma maneira?”
“Claro que
sim, Glaucy, ele me deu apoio e me ajudou, quando soube que eu estava separado.”
“Que mais,
João?”
“Bom, ele
também me ensinou a cantar melhor, me deu dicas de vocalização, me corrigiu em
certas posturas também. Ele dizia para eu parar de bater as asas quando
cantava. O Luc brincava e dizia que às vezes eu parecia estar dando uma
gargalhada quando cantava.”
“Entendo,
João, mas vamos às mensagens, o que ele escreveu?”
“Veja que
ingrato, Glaucy, veja só o que ele escreveu. Foram três mensagens:
‘Não se lamente pelo que se foi para sempre;
Guarde o que
você tem;
Nunca confie
na palavra de alguém que esteja preso.’
Ele foi embora, Glaucy, e nunca mais vai voltar.”
“Por que
você acha isso?”
“Basta ler
as mensagens, Glaucy,” respondeu João com a garganta fechada e voz embargada,
“ele disse que nunca mais iria voltar. Ou você acha que ele vai voltar,
Glaucy?” perguntou, tentando tirar da professora Glaucy alguma informação, ou
esperando que ela lhe revelasse alguma coisa sobre o futuro.
“Pode ser
que sim, pode ser que não,” respondeu, “como eu vou saber? Embora, que eu
saiba, os rouxinóis sempre voltam de onde partiram. ”
“É, eu acho
que ele não volta mais, Glaucy, ele disse que a gente não deve confiar na
palavra de alguém que esteja preso.”
“Então
inverta a tese, João.”
“Como assim,
Glaucy”, perguntou atônito.
“Ora, se
você não pode confiar na palavra de quem está preso, então pode confiar na
palavra de quem está livre, não é?”
João ficou
meio confuso com a inversão das premissas.
“Então você
acha que ele vai voltar?” insistiu.
“Vou
contar uma estória para você, João,” disse a professora Glaucy, batendo
as duas asas, como se estivesse ensaiando um voo ou fazendo algum exercício.
Depois limpou a garganta e prosseguiu:
“Um homem
muito rico foi a um mercado de pássaros. Quando chegou lá viu os mais belos
pássaros cantores. Viu pássaros com as mais reluzentes penas. Todos estavam
presos numa gaiola muito grande. Mas, lá no cantinho havia um passarinho
doente, despenado, com o bico quebrado, ferido e abandonado. Então o homem rico
quis compra-lo.”
João seguiu
ouvindo atentamente.
“Então,”
continuou a coruja, criando certo suspense, “todos ficaram sem entender
por que ele quis comprar aquele passarinho ferido, fraco, sem viço algum,
doente e quase morrendo, mas ele comprou o pássaro mesmo assim. Depois o
pássaro quis saber por que ele havia feito isso. Ele disse:
‘Porque
eu amo você e quero sua liberdade.’ Ele abriu as mãos e disse ao
pássaro:
‘Vá, você
agora é livre, pode ir.’
O pobre
passarinho não entendeu nada e insistiu:
‘Mas por que
está me libertando, por que está fazendo isso?’
‘Já disse’,
respondeu o homem rico, ‘eu te amo e quero que você seja livre. Vá’, disse ele,
o soltando, mas o passarinho ficou tão comovido pelo amor daquele homem e
disse:
‘Jamais eu
irei, quero ficar sempre ao lado de quem me ama e cuida de mim.’ ”
João olhou
de esguelha, fechou um pouco os olhos e parecia não estar entendendo a conversa
da coruja e aonde ela queria chegar. Embora confuso com o desenrolar da
estória, João comentou:
“Mas
só Jesus Cristo é capaz de amar alguém assim.”
“Então é um
bom exemplo, não é mesmo?” devolveu a coruja, dando uma piscadela com o
olho esquerdo.
“E não sei
por que está me contando essa estória, Glaucy, o Luc não estava em nenhuma
prisão ou gaiola; minha casa não tinha nenhuma grade e não era nenhuma
gaiola. O Luc podia entrar e sair quando quisesse, tanto que saiu. ”
A professora
Glaucy pensou um pouco e respondeu:
“João, nem
sempre as prisões são feitas só de grades.”
“Então de
que outra maneira elas podem ser feitas, você pode me explicar?” perguntou num
tom um tanto indignado.
“Elas podem
ser feitas de culpa, medo e obrigação, João. E se você ama alguém, não
vai querer aprisionar essa pessoa por meio da culpa, do medo e da
obrigação.”
João se
sentiu ultrajado, ofendido, indignado. A raiva o consumia como fogo. Ele queria
pular no pescoço da professora.
“Você está
me confundindo,” bradou, “quero que saiba que eu sou macho. Aqui é espada, e eu
não estou entendendo aonde quer chegar com esse papo de frutinha. Esse papo de
amar macho. Fique sabendo que eu sou hétero,” fuzilou.
“João pensou
em dar uma bicada na cara daquela coruja atrevida, mas quando se
levantou, teve a impressão de que a professora Glaucy estava começando a fazer
aquela cara carrancuda de novo.
“Eu só
queria dar um exemplo de como é importante para uma pessoa não ser
possessiva e controladora com o parceiro que ama, João”, tentou explicar.
“Ele é meu
parceiro de negócios,” soletrou João, "negócios.”
“E quem
disse que é de outra maneira? Você não pode amar um parceiro de negócios?”
João se
atrapalhou, parecia ter caído numa armadilha semântica que ele mesmo criara.
Ficou corado e confuso e envergonhado por haver se precipitado, mas o
sentimento predominante era de raiva. João se levantou furioso e deu um
passo decidido na direção da professora Glaucy, mas percebeu que a coruja
era muito maior do que ele e conteve seu ímpeto. O sol já estava
despontando. João olhou bem dentro dos olhos da professora Glaucy e viu seu
reflexo de novo. Viu como ele realmente era nos olhos dela. João quis bicar,
agredir, mas viu seu tamanho real refletido nos olhos da coruja e teve
medo. Não tanto por causa do tamanho da coruja, mas por causa da sua imagem
apequenada refletida em sua retina, e achou que não deveria ter essa
ousadia. Ele se achava maior do que era, mas viu seu tamanho real
refletido nos olhos arregalados daquela coruja. No fundo João não sabia se
queria agredir a coruja ou aniquilar aquela imagem tímida e diminuta refletida
naqueles olhos misteriosos. Então teve vontade de fugir
dali, de abandonar aquele ambiente pesado e opressor. Não sabia se queria fugir
da presença da coruja ou de si mesmo. Sentia-se pequeno e achatado. Despediu-se
da coruja cego de raiva
“Adeus
e obrigado,” limitou-se a dizer essas palavras rispidamente enquanto começava a
tremular as asas pronto para voar dali.
A professora
Glaucy o olhou com compaixão e concluiu:
“João, você
é bom, seu coração é cheio de amor, você é inteligente, dedicado e altruísta. O
que você faz não é para controlar as pessoas ou dominá-las, mas é porque se
sente inseguro e tem medo de ser abandonado. Eu sei que seu amigo Luc vai
ponderar sobre essas coisas e vai reconsiderar sua opinião sobre você,
quando ele descobrir que, no fundo, você é como o homem rico.”
João saiu
voando pela janela, cheio de pensamentos confusos e conflitantes. Conseguiu
voltar ao seu ninho muito mais rapidamente do que quando havia voado para o
sótão da coruja.
Quando
chegou, sua mente parecia um turbilhão. Estava confuso e se sentia
desestabilizado emocionalmente. Ficou meditando nas palavras finais da coruja e
não conseguia entender se aquelas palavras era um conselho sábio ou um
vaticínio ou uma profecia.
João
respirou fundo e depois de meditar sobre as palavras da professora
Glaucy se sentiu calmo e sereno. Um sentimento de tranquilidade e confiança
como nunca sentira antes.
Lembrou-se
da canção de Milton Nascimento que sempre cantava com Luc nos
momentos que tiveram de alegria e descontração e começou a cantar:
“Rouxinol
tomou conta
Do meu viver.
Chegou quando procurei
Razão pra poder seguir.
Quando a música ia
E quase eu fiquei.
Quando a vida chorava
Mais que eu gritei...”
Do meu viver.
Chegou quando procurei
Razão pra poder seguir.
Quando a música ia
E quase eu fiquei.
Quando a vida chorava
Mais que eu gritei...”
Quando estava para começar a segunda
parte da canção, olhou para a entrada do ninho. Uma imagem surgiu, com um
halo de luz solar radiante por trás de si. Um pássaro singelo, de bico curto e bem aberto, de penas marrons, vermelhas e amarelas, aproximou-se com
olhar terno, num balanço suave e preciso, e com o corpo todo iluminado. Luc
abriu bem o bico e, num canto doce e aveludado, terminou a canção junto com
João numa suave harmonia:
“Pássaro
Deu a volta ao mundo
E brincava.
Rouxinol me ensinou
Que é só não temer.
Cantou.
Se hospedou em mim.
Deu a volta ao mundo
E brincava.
Rouxinol me ensinou
Que é só não temer.
Cantou.
Se hospedou em mim.
Todos os pássaros
Anjos dentro de nós:
Uma harmonia trazida
Dos rouxinóis...”
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